quinta-feira, 19 de maio de 2011

DISTRAÇÃO PODE VIRAR FRUSTAÇÃO...PARA OS OUTROS E EM ESPECIAL PARA VOCÊ

Quem me vê falando da minha “leseira” da minha falta de atenção, fazendo piada com essa característica tão acentuadas em mim, pode acabar achando que isso não me afeta, que falo exagerando ou ainda que uso como desculpa quando esqueço algo. Mas a verdade é que nunca uso essa desculpa quando esqueço algo, pois me policio para não cair nessa mania. Ao me ouvir fazendo piada e rindo, não se engane, aquilo é mais uma tentativa de não deixar os outros apontarem, é como se eu preferisse tomar a iniciativa, prefiro eu mesma falar a ter de ouvir mais uma vez das outras pessoas “super atentas” desse mundo. Sei que a grande maioria não fala por maldade, mas não posso evitar, essa é minha Ferida aberta, minha cicatriz não cicatrizada, meu ponto fraco...

Enfim porque começar esse post assim? Ora...porque acontece comigo e com quase todo TDA(H)! Estava eu conversando com uma querida amiga outro dia e ela me dizia o quanto estava chateada, pois mais uma vez havia se esquecido de tirar o seu telefone do silencioso depois que acabara sua aula, assim no silencio abafado por sua bolsa ele permaneceu todo o dia, seu marido e seu filho tinham ligado inúmeras vezes, por razões importantes e sem sucesso sentiram-se prejudicados por essa “distração”. Ela ficara desolada, sua voz emitia uma sensação de tristeza somada a culpa quando falava comigo ao telefone, eu brincava e tentava animá-la, tentava transformar aquilo em mais uma coisinha engraçada típica de pessoas como nós.
Na realidade o que ela sentia, é um sentimento tão comum e quase diário em minha vida, essas distrações são inevitáveis, sempre me esqueço de algo, o problema é quando essa “falha” acaba prejudicando os outros, as pessoas que convivem ao nosso redor. Esquecer compromissos, aniversários, datas importantes em geral, telefones no silencioso, encomendas, de pagar contas, ligar para alguém, marcar ou mesmo ir a uma consulta médica, isso acontece uma vez ou outra com todo ser humano né?! Mas e quando isso sempre acontece? Quando é um fato recorrente?

As pessoas que estão envolvidas podem desculpar no começo ou quando acontece apenas uma vez, pois todo mundo erra, mas a medida que convivem com alguém que sempre “apronta” esse tipo de coisa, tendem a ficar frustrados, chateados ou até mesmo magoados. Infelizmente é um preço que se paga ao conviver com o TDA(H)! O que as pessoas não percebem é que quem mais sofre com isso somos nós, ninguém se frustra e se chateia tanto quanto nós. Pois temos consciência de que aquilo foi nossa culpa. Tanta culpa criar alguns medos, pode se tornar uma tristeza, pode virar complexo. É algo difícil lidar com esse sentimento de que volta e meia você vacila e atrapalha algo ou alguém.

Eu já esqueci o aniversário da minha mãe e de quase todos os meus amigos, esqueço com freqüência consultas ou reuniões que não são rotineiras, já faltei ao trabalho, pois era algo extraordinário e não cotidiano. Já esqueci aniversário de namoro...não vou nem falar da dificuldade que isso trás para um relacionamento a dois, pois seria todo um outro post. O fato de esquecer horários pode se tornar uma armadilha fazendo com que você se torne uma pessoa pontualmente atrasada como eu. Preciso acordar bem mais cedo (digo muito mesmo) porque sempre me atraso, tenho a sensação que meu tempo passa diferente. Sempre acho que dá tempo fazer isso ou aquilo antes da hora de sair, às vezes acho que minha noção de tempo é pior que a de espaço (por isso talvez nunca tenha gostado muito de física, piada sem graça né? Eu sei. #todosignoram).
Aqui confessarei que sofro até por medo de esquecer algo importante, ponho mil alarmes, escrevo no quadro de lembretes (ótima tática para lembrar-se de alguma coisa, farei um post com essas dicas no futuro), peço para e lembrarem, fico com aquilo na cabeça e acabo perdendo o sono ou a tranqüilidade às vezes. Tenho me trabalho para evitar esse sofrimento por antecipação, mas isso vos direi, é reflexo de uma vida repleta de “leseiras” e carões.

Então aqui fica minha humilde opinião...
Sei conviver com um TDA(H) não é uma tarefa ordinária e muito menos simples, que pode causar frustração, chateação, impaciência e raiva, mas lembre-se que provavelmente o TDA(H) é quem mais se chateia com isso, quem mais gostaria de mudar essa característica. Não é desculpa para ser usada e nem precisa ser perdoada, mas não jogue esse fato e todo o resto na cara, isso dói de uma forma inimaginável, trás péssimas lembranças e sentimentos antigos a tona, magoa.

Acho que pontuar o comportamento da vez é algo preciso, mas não diga algo do tipo: “você sempre faz isso!”, “você não se importa, não está nem aí”, “se fosse importante para você garanto que não esqueceria”, acredite o esquecimento nada tem a ver com a importância ou não de um fato...às vezes não teve um fato que desencadeasse (triggered) a memória para aquele acontecimento. Em geral não é algo intencional, não generalize e não pense que a pessoa não considera aquilo algo importante.

Por isso meus caros, a nós cabe o policiamento constante, a busca pela melhora que para mim vem em boa parte do tratamento, tanto a Rita(Lina) quanto a minha psicóloga, enfim a procura incessante por novas técnicas para lembrar os compromissos e as coisas importantes. A quem convive conosco, calma, muita calma, paciência, não precisa guardar para si as frustrações, nos diga, reclame, mas tenha cuidado para não generalizar ou não nos jogar em meio a más lembranças ou grandes feridas.

Para animar um pouco esse post que mais está para desabafo ou pedido de desculpa...vai um pequeno texto de Fernando Pessoa. Se até ele tinha um heterônomo TDA(H), que escreveu um livro a nossa cara, nós também somos capazes de grandes sucessos. A quem interessar procure o “livro do Desassossego” de Fernando Pessoa (em teoria quem escreveu foi seu heterônomo Bernardo Soares). Nessa passagem ele nos conta algo engraçado e muito similar a situações que acontecem com uma freqüência até hilária. Esse livro é uma verdadeira terapia, você se identificará se você é TDA(H), se você não é, bem irá ver como a mente de um funciona e o quão rápido as coisas passam, os sentimentos mudam e a atenção foge...aproveite se puder e quiser ler, vale muito a pena.

" Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. Sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados. " (grifo nosso heim?!)

- Capítulo (?) 10 - Livro do desassossego - Bernardo Soares (Fernando Pessoa)


Até a próxima!